quinta-feira, maio 09, 2013

O Amor


Agora, uma linda historia de amor:

Um casal passeia de bicicleta, aproveitando a noite fria. Ele na frente, o capitão do navio. Ela atrás, com os braços envoltos na cintura do amado. Ele guia a bicicleta com apenas uma mão, ocupando a outra com carícias nos braços da amada. Os dois estão apaixonados, até mesmo o gordinho na calçada consegue perceber tal fato. O que o gordinho na calçada também percebe é a falta de controle da bicicleta por parte do homem enamorado. A bicicleta treme, sinuosa, assim como o braço do homem perante o esforço de manter seu papel de homem, mas nada que perturbe sua companheira enamorada. Porém – e isso o gordinho na calçada também repara – cada vez mais a bicicleta aproxima-se do meio fio. Ainda perdido em carícias com a amada, o homem enamorado percebe (talvez tarde demais) que a bicicleta esta fugindo do seu controle. E agora já é realmente tarde demais. A roda dianteira bate no meio fio, toda a bicicleta vibra, ele coloca os pés no chão para evitar uma queda, mas a mulher, quem sabe ainda perdida em juras de amor, não demonstra tanto preparo e ca para trás. No chão. Primeiro: bunda; depois: costas; e, por fim: cabeça. Ele preocupado, abandona a bicicleta, que cai sobre as pernas da amada, e ajoelha-se ao seu lado. Ela, colocando a mão sob a cabeça, responde: “presta atenção porra”.

E a moral da história é: o amor é assim, num segundo você está junto ao seu amado, passeando pela noite e no próximo, você está no chão, com a cabeça doendo e um palavrão na ponta da língua. 

segunda-feira, maio 06, 2013

A Onda



Eduardo acorda e nota a água a sua volta. Também nota que notar não é o melhor verbo para definir o que senti. Sim, ele sente a água ao redor. A sente como uma certeza, uma constante que sempre existiu independente de sua própria existência. Ele não tem importância para a água. Ela é o todo - a existência liquefeita. E nessa existência líquida, o tempo muda, altera seu formato, sua dança, para satisfazer sua rainha: a água. 

Todo o tempo do mundo em um segundo.

Desperto, Eduardo olha. E, ao olhar, lembra. Lembra a água tocando o horizonte que, por sua vez, seguindo um ordem que o próprio Eduardo desconhece, toca o universo, que, derramando-se no céu, toca a água novamente. Um ciclo perfeito. Eduardo nada vê ao redor, apenas a água infinita, o horizonte com o Sol balançando paciente nas horas claras e o universo conspirando contra todos em troca de favores. 

Assim, olhando, ele percebe A Onda. Sente A Onda. Ela vem do horizonte, logo abaixo da barriga do Sol. Vem rolando devagar, dançando sobre a água, soprando contra a existência. A atmosfera muda, umedece-se; o som cala, esperando. E, com o tempo dobrado pelos encantos da água, Eduardo espera o ultimo segundo para tomar fôlego. 

Enche os pulmões de ar salgado. A Onda se aproxima.

Prende o ar dentro dos pulmões, inflando o corpo. A Onda o toma, tirando seu corpo do eixo.

Esvazia os pulmões. A Onda o afoga, tirando-o para si em uma dança forçada, desagradável. 

Eduardo gira, perdido nos caprichos das damas Água e Onda. Sua cabeça segue o ritmo estranho da valsa e abandona as barreiras, deixando que memórias e sentimentos misturem-se. Valsando, as memórias de Eduardo sentem e os sentimentos se lembram.

No tempo ondulado, lento, líquido, o segundo termina. 

Eduardo acorda. 

Seus pulmões estão vazios, mas ele espera paciente, sabendo que a próxima golfada de ar chegará segundos antes da Onda e A Onda sempre chega. 

Em um cansado silêncio resoluto, Eduardo enfrenta o dia que nasce. Tem sido assim nas ultimas semanas e o universo conspira contra todos em troca de favores. 


sexta-feira, março 29, 2013

Tanta vida em tão pouco tempo


Tanta vida em tão pouco tempo, pensou Ele.

Ele – o homem, antes menino, no passado: criança – lamentava a falta de tempo, o caminhar constante dos segundos, reunidos em minutos, agrupados em horas, resultantes em mortes. Tanto a fazer, tanta vida a viver e experiências a sofrer em pouquíssimo tempo. Um exemplo, ele pensava, estava ali mesmo, diante dele, ao lado dele, dentro dele: ele havia acordado há pouco mais de uma hora e já estava fora. Fora. Deixara a mãe com um “até mais tarde” sabendo que até e mais e tarde passariam rápido demais e que daqui a pouco estaria dizendo “boa noite” novamente e deitando-se na cama, à espera das horas de sono – o tempo perdido que ele precisava, era fisiologicamente obrigado a gastar de olhos fechados, imaginando mundos enquanto toda a realidade e suas horas inescapáveis corriam lá fora, como crianças brincando de pique.

Acordava todos os dias em torpor e mantinha-se na ignorância autoimposta da vigília desleixada, cansada, ignorante. Gostava de viver na profusão de sentidos largados entre o sono e a vigília. Entendia que ver o mundo através das cortinas alaranjadas das pálpebras fechadas contra o sol concedia a realidadeum tom límpido e distorcido das coisas imaginadas.

Pessoas passavam em suas pequenas ilhas de importância e significado. Elas passavam e Ele observava.

No final do dia, voltava ao estado dos sonhos, escurecendo as pálpebras e admitindo a irrealidade das noites – e a realidade do sono artificial.

Para acordava noutro dia e pensar: Tanta vida em tão pouco tempo.

domingo, setembro 30, 2012

Sempre costumo ler as crônica de Martha Medeiros na Revista O Globo e essa semana encontrei um texto especial que define exatamente a sensação de viajar sozinho e reflete a minha experiência de viajar sozinho pela primeira vez.

Segue trecho:


"Se você não se atura, melhor não viajar em sua própria companhia. Mas se está tudo bem entre “vocês”, saiam por aí e descubram como é bom sentar num café num dia de sol pedir algo para beber enquanto lê um bom livro, subir até terraços para apreciar vistas deslumbrantes, entrar em lojas e ficar lá dentro o tempo que desejar, entrar num museu e sair dali quando bem entender, caminhar sem trajeto definido nem hora para voltar, pedalar ao longo de um rio ouvindo suas musicas preferidas no iPod, em conexão com seus pensamentos e sentimentos, nada mais. 

Vergonha? Senti poucas vezes na vida, quando não me reconheci dentro da minha própria pele. Mas estando em mim, sob qualquer circunstância, jamais estarei só."

sexta-feira, junho 15, 2012

Carta ao Passado

Antigo Eu,



Daqui a dez exatos dias, você fará 25 anos. É hora de conversarmos. Você, sendo eu, precisar saber o que aprendeu nesse quarto de século. Essa apresentação antecipada em nada vai mudar o seu aprendizado, eu sei. Mas adiantando o que sei, talvez a surpresa do conhecimento não seja assim tão assustadora e, ambos sabemos, que você não gosta de surpresas, que as teme como teme aranhas, insetos voadores, a solidão e a morte daqueles que ama. Também sei que você não gosta de ter medo, assim adianto a surpresa, tentando, ao pôr-la sob a luz, enfraquece-la (eu sei, então nós sabemos, que não podemos destruí-la completamente). 

Aos 25, você descobrirá que, mesmo não se dando conta, já é um adulto e que ser adulto não é tão ruim (ou importante) quanto você pensava aos 17. Ser adulto é seguir em frente, tropeçando, esbarrando, caindo e se levantando, em um frenesi quase delirante criado pela necessidade de movimento. Aos 25, você irá se apaixonar (sabemos, você e eu, que isso já aconteceu antes, pouco tempo antes, aos 24, mas o entendimento, como tudo na sua, nossa, vida chega devagar, bem depois, tímido e silencioso) e que o amor não é como nos filmes e livros que você tanto preza. No amor, a vida não imita a arte, mas ambas atuam sobre reflexos esfumaçados de cada uma. Você vai amar e sentir-se completo. Feliz, até. Quem diria? Você vai amar e se entregar, abrir o próprio tórax e, do interior escuro e úmido, retirar uma parte de si que nunca fora dividida. Você vai render-se as fantasias descabidas e não se envergonhará de assumir, na intimidade dos dois, que ama. Você também irá ouvir que é amado, mas, sendo quem é: nós, você não acreditará completamente. É mais forte do que você (nós) consegue acreditar. Mas daqui, em alguns meses no futuro, eu posso dizer que você foi amado, não o suficiente (isso, você do passado, já sabe), mas de forma infinita no espaço finito de tempo que teve. Você vai perceber que através desse amor, você cresceu e, desse crescimento, foi feliz. Mas você (nós: eu e você) sabe que o amor, ao menos esse, não durou. E, eu sei, que você duvida que exista o infinito. Ainda não tenho a resposta para isso. 

Você verá o amor se dissolver lentamente e nada fará, não por preguiça ou inércia que são defeito seus (e nossos ainda), mas porque não há nada a ser feito realmente. Depois do fim, você será outra pessoa e reparará com tristeza a mudança dentro de si. Você se tornará frio, distante, temendo um contato, o amor, a promessa do infinito no tempo finito e reclamará (mais do que nunca) que não é amado. Você ouvirá (não posso prometer que não se machucará) que a culpa é sua por não procurar, abrir-se para a possibilidade e você saberá que seus amigos estão certos, mas a verdade, como sempre, machuca e magoa. Eu não poderia te preparar para essa surpresa. 

Você passará pálidos dias e longas noites sozinho. Prepara-se. Não, melhor não. As longas noites virão e você perceberá que a solidão é quase palpável. Essa tangibilidade cruel, uma afirmação não desejada da realidade que sempre te machucou, o fará pensar que talvez não seja apto a amar, que não tenha nascido para isso. Você (ambos, nós) sabe que não foi feito para relações. Elas são sempre novas para você e você não reage bem à novidades, sempre temendo-as como teme aranhas e insetos voadores. Haverá dias que a solidão será demais e o ódio também existira, nesse espaço finito, infinito. Você verá que todos amam, o que você é incapaz de fazer. E que todos permitem serem amados. Você também não é capaz de fazê-lo. Na solidão, você notará que livros não são companhias perfeitas. Nem o silêncio que você tanto preza. Esse entendimento também chegará tardiamente, sorrateiro. Você se apaixonará por alguém apaixonado por outro. E a realidade dessa dor, a concepção da realização da falha, o machucará. Mesmo avisando-o, a dor o alcançará. 

Mas não se preocupe, existirá felicidade no seu futuro, risadas, bons livros, novas pessoas e entendimento tardios. Para eles, você não precisa ser preparado e nem avisado. Eles chegarão e serão bem vindos. 

Eu poderia dizer que tudo será melhor, mas não sei. Talvez o meu futuro possa fazê-lo, mas ele ainda não me escreveu uma carta. Estou (estamos, nós dois) aguardando.