segunda-feira, novembro 21, 2011

Barba de molho

Decidi fazer uma aposta comigo mesmo. Os termos eram simples e o prêmio praticamente inexistente. O desafio era provar que eu posso mudar um pouco, sair da minha zona de conforto e deixar a barba crescer. Eu digo literalmente deixar a barba crescer, entre outras coisas.

É claro, falhei com a barba. O negócio coçava demais, me irritava demais (e eu já vivia bastante irritado) e pedia atenção demais. Deixei a barba crescer por três semana até me olhar no espelho - realmente me olhar, parando para reparar em todas as imperfeições - e perceber que eu parecia um moleque querendo dizer ao mundo que não era mais tão criança assim. Achei patético e real demais, próximo demais das minhas expectativas e raspei tudo. Passar as pontas dos dedos sobre a pele macia foi a melhor sensação do mundo.

Mesmo com a falha, que já era esperada, todo o episódio serviu muito bem como um lição sobre o verdadeiro significado para mudanças: elas são uma droga no inicio. Qualquer mudança te irrita, exige sua completa atenção e pode coçar algumas vezes. Decidi seguir com outras mudanças: me acalmar, viver um pouco melhor, perder peso, parar de fumar, me assumir e, principalmente, mesmo soando brega: ser feliz.

A aposta continua de pé. E como sou o único jogador na mesa, posso dizer que estou ganhando. Mesmo com o rosto limpo e com uma carinha de adolescente. 

terça-feira, novembro 15, 2011

Sumário emocional ou "that awkward silence"


"Eu não consigo ler quando estou triste." - disse uma amiga, em uma das poucas conversas que tenho com as pessoas sobre livros e seus hábitos de leitura que não envolvam nenhuma piada sobre os meus hábitos de leitura compulsiva.

Como não poderia ser, eu respondi da melhor forma possível: sendo vergonhosamente auto depreciativo. Minhas palavras foram algo em torno disso: "Então, eu não conseguiria ler coisa alguma. Por que a coisa não tá fácil.".

Minha resposta rendeu um silêncio embaraçoso e alguns olhares piedosos que eu preferi simplesmente ignorar enquanto mudava o tópico da conversa para assuntos menos pessoais como, por exemplo, a vida amorosa das outras pessoas da agência.

Dica: Preferencialmente, use pessoas que são detestadas pela maioria do grupo, isso faz o papo render mais e você não precisa se queimar tanto, malhando, sozinho, o pobre coitado enquanto levanta olhares de espanto e respeito à sua língua venenosa. Não que isso tenha acontecido comigo. Nunca. Claro que não.

Voltando os livros, peguei-me pensando mais tarde, enquanto arrancava livros à esmo da minha estante na tentativa de encontrar algum título que nutrice as minhas necessidades emocionais (um grosso e de temática obscura) (fique claro que "grosso" não tem qualquer conotação física e, muito menos, sexual), que minha relação emocional com livros é realmente uma via de mão dupla.

Um personagem, uma descrição ou uma situação específica pode, e consegue, na maioria das vezes, acender uma pequena fagulha que irá se desenvolver potencialmente em uma linha de pensamento obscura. Eu também não consigo ler livro mais "alegres" (não gosto desse adjetivo, mas não consigo encontrar outra nesse lago raso que é o meu vocabulário) quando estou um pouco triste ou mais contemplativo. Em dias assim (ou semanas, seremos sinceros) procuro abrigo em leituras ainda mais introspectivas (Clarice e Caio Fernando Abreu são os meus favoritos). Em épocas mais felizes, coloco as leituras chuvosas de lado e pulo no primeiro título de fantasia ou romance que consigo encontrar (ou comprar, admito).

Para concluir, um ultimo pensamento sobre piadas auto depreciativas que te levam pelo caminho recheado de silêncios embaraçosos e olhares piedosos. Frases de efeito depreciativo servem apenas para aliviar a verdadeira obscuridade dos seus problemas particulares ou sempre as utilizamos quando queremos incrementar uma situação por si só patética? Bom tópico para um futuro texto, né?

segunda-feira, novembro 14, 2011

Separar cebolas de morangos


O que define uma pessoa? Nós somos morangos ou cebolas? Um morango é, esteticamente, mais atraente do que uma cebola, mas com um morango tudo o que você tem está ali, exposto, vermelho e brilhante na sua cara. Nah, morangos são gostosos mas só isso. Ponto final (e tudo termina no ponto final). Eu prefiro uma cebola, camadas e mais camadas mal cheirosas que precisam ser lentamente descascadas até encontrarmos a verdadeira cebola, branca, meio translúcida, capaz de temperar qualquer prato e nos fazer chorar enquanto somos obrigado a corta-la ao meio e depois em pedacinhos. É, cebolas são os caras legais escondidos em três camadas de calças xadrez e casaquinhos hipsters. 

Por isso usei alimentos no lugar de seres humanos. Nada contra, mas começar um texto com um guia prático de como cortar e fatiar um ser humano não soaria tão correto. Um pouco mais engraçado, sim, mas longe de soar correto. 

Metáforas baratas de lado, todo esse papo de cebolas e morangos serve simplesmente para ilustrar a minha ideia de que não somos (entada-se a maioria dos seres humanos) criaturas sem camadas, com todos os nossos sonhos, desejos e sentimentos expostos logo de inicio. Eu sou uma cebola e tenho orgulho disso!

Acredito que muitos de vocês já ouviram algum diálogo parecido com esse ou já leu algum comentário deixado no Facebook por uma daquelas pessoas que você misteriosamente adicionou sem nunca realmente conheça-la ou que você não consegue reconhece-la naquela fotos tirada ao por do sol.

"O que você fez no final de semana?" indaga A Pessoa.

Você prontamente responde: "Nada demais, saí com uns amigos, assisti um jogo num barzinho. Nada demais".

A Pessoa com cara de espanto responde: "Você saiu? Nossa, largou os livros! Como que você conseguiu sobreviver?" 

Por um momento, um breve momento, você pensa em estrangular A Pessoa com as próprias mãos ou afoga-la na sopa que ela esta tomando ou simplesmente bater com a cabeça dA Pessoa no teclado até não haver mas teclado. Mas não, você simplesmente sorri e balança a cabeça, fingindo timidez na tentativa de esconder seus instintos letas.

Além da fantasia psicopata envolvendo teclado, muito sangue e a cabeça de um colega de trabalho no meio, eu tenho vontade de agarrar a pessoa e gritar EU SOU UMA CEBOLA! CEBOLA!

Eu sei (e espero) que não estou sozinho! 



terça-feira, novembro 01, 2011

Conto: Vazio

VAZIO


Coloco o copo de papel quente na mesa de centro. Meus dedos ardem. Minha língua, queimada, dorme o sono dos mortos. Três pessoas me acompanham. Todos desconhecidos familiares. Rostos simples, humanos por completo e tão normais que perco minha identidade por um longo minuto. Tão longo quanto as horas podem ser. Tão longo quanto um dia de verão com mosquitos, pele queimada e tristeza pode ser. Esses rostos são tão familiares que minha solidão encontra reforço no espelho da realidade. Não gosto deles. Desses rostos, eu não gosto. Nem de espelhos, também não gosto. Eles não me olham, sei que não estão nem aí. Eu não estou aqui, muito menos aí. Mas a minha ausência se machuca. Na mesa ao lado, um casal se senta. Ele de frente pra ela. Ela enfrentando o nada. Ele olha o amor, enquanto ela ama o nada. São espelhos, esses dois. Mas tô nem aí. Ele leva um sanduíche podre à boca. Morde e engole, sem mastigar. Mastigar merda pra quê? Merda é merda. Ele é merda e ela nada diferente. Ainda ignoro os idiotas ao meu lado. Meus pobre irmãos gêmeos acéfalos. Eu tenho uma cabeça da porra. Cheia de pensamentos e vazia de significados. Isso eu NUNCA nego. Que meus pensamentos são vazios e significados são desnecessários. Ela não come. Ele já terminou. Ela pega uma pistola, aponta e atira. Miolos e sanduíche de merda pra tudo que é lado. Uma merda completa. Um pensamento bate na sola do meu sapato. Piso e ele assobia fraco. Tá vazio, vazio.